terça-feira, 8 de novembro de 2011

Varizes Gastroesofágicas


INTRODUÇÃO
   Praticamente todo o sangue que passa pelo tubo digestivo, desde a parte final do esôfago até o ânus, recebe os produtos da digestão e absorção dos alimentos. Esses produtos não podem ser distribuídos diretamente aos outros órgãos, pois muitos são tóxicos ou precisam ser transformados antes de entrarem na circulação. Esse sangue rico em nutrientes e toxinas corre por veias que vão se unindo até chegar na veia porta hepática, que é a principal fonte de sangue do fígado (há ainda a artéria hepática, que é necessária para trazer mais oxigênio ao órgão).
   No interior do fígado, o sangue flui da veia porta para veias cada vez mais finas, até que chega aos sinusóides (aonde os hepatócitos processam os produtos da digestão, além de muitas outras funções) e depois é coletado pelas veias centrolobulares, que levam o sangue para fora do órgão até as veias hepáticas, depois para a veia cava inferior e o coração, de onde o sangue com os nutrientes será distribuído por todo o organismo.
   Na cirrose, há a formação de cicatrizes no interior do fígado, distorcendo toda a sua estrutura, o que prejudica o fluxo de sangue. Com o fluxo reduzido, a pressão do sangue em todas as veias aumenta, o que chamamos de hipertensão portal. Essa hipertensão no sistema porta hepático leva a dilatação à montante (das veias que desembocam na veia porta), o que pode trazer diversas conseqüências, como inchaço nas pernas, falta de ar (síndrome hepato-pulmonar), falência dos rins (síndrome hepato-renal), ascite e a dilatação de veias (varizes).

HISTÓRIA NATURAL

   Uma das mais importantes complicações da cirrose é sem dúvida a formação de varizes no esôfago. Essas varizes podem crescer a partir da porção mais distal (inferior), inicialmente finas e retas, mas podem evoluir até se tornarem grossas, azuladas, tortuosas e podem chegar até a porção proximal (superior) do esôfago. O tempo para o crescimento das varizes depende principalmente do grau de fibrose e hipertensão na veia porta e de predisposições individuais.

Varizes esofágicas vistas na endoscopia
   Ao momento do diagnóstico de cirrose, 30 a 40% dos indivíduos com doença compensada já possuem varizes esofágicas (e 60% dos com ascite). Em pacientes sem varizes ao diagnóstico, o risco de aparecimento das mesmas em um ano é de cerca de 5% (e de 20% em 5 anos) e o de crescimento das varizes de pequenas para grandes é de 5 a 30% por ano. Um estudo publicado na revista Gastroenterology (agosto de 2004) por Merkel e colaboradores sugere que o uso de beta-bloqueadores reduz a velocidade de crescimento das varizes, embora nenhum estudo de grande porte tenha sido publicado posteriormente para confirmar ou descartar essa possibilidade. Mas há um corpo de evidências suficiente sugerindo que o tratamento com medicamentos, a abstinência alcoólica (na cirrose por álcool) e o tratamento da causa da cirrose tendem a reduzir as varizes ou o seu crescimento, assim como outras complicações da cirrose.
   A importância do tamanho das varizes está no risco de sangramento. Varizes finas (<3mm de diâmetro) tem risco de sangramento de 7% em 2 anos, enquanto que varizes grandes (>5mm) tem o risco de 30% em 2 anos. A ocorrência de hemorragia por varizes esofágicas é um evento catastrófico na vida de um cirrótico. Além do risco imediato de óbito de 20 a 50% durante primeiro sangramento (e 30% nos subsequentes), estima-se que o risco de óbito em 6 meses após o sangramento esteja entre 20 e 50%, por novos sangramentos ou outras complicações da cirrose (em especial a peritonite bacteriana espontânea e a encefalopatia hepática). Além do calibre das varizes, a presença de estigmas endoscópicos chamados de "sinais da cor vermelha" indicam que as paredes dos vasos estejam mais finas, facilitando o sangramento. É consenso que a presença desses estigmas signifique varizes de alto risco de sangramento, embora isso seja questionável quando ocorrem em varizes de fino calibre.

Variz esofágica com sangramento ativo (seta)
   Além das varizes esofágicas, também podem ocorrer varizes no estômago. As varizes gástricas também representam risco de sangramento (ao redor de 5% no primeiro ano do diagnóstico, com esse risco aumentando progressivamente com o tempo). Apesar da menor probabilidade de sangramento, as varizes gástricas são um problema mais complexo que as esofágicas, pois não respondem tão bem ao tratamento farmacológico e as ligaduras elásticase, quando rompem, é mais difícil controlar o sangramento.
Com a alta mortalidade decorrente do sangramento, todo portador de cirrose deve estar alerta quanto a sinais de hemorragia (tabela abaixo). Se observar algum desses sinais, deve permanecer e jejum e procurar um serviço de emergência médica o mais rápido possível.