quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Proteina C Reativa

 Proteína C reativa é uma proteína normal do corpo humano, portanto o exame que dosa a proteína C reativa não pesquisa nada estranho ao organismo.
A proteína C reativa participa da "resposta de fase aguda", que é a reação do organismo que dá início ao processo de reparação de qualquer lesão das estruturas do corpo.
O que desencadeia a resposta de fase aguda é a morte "não natural" das células, como quando um pequeno infarto no coração mata algumas células ou um grande corte no braço mata muitas células.
Há uma morte de células que é considerada "natural" - é chamada de apoptose. A morte de células por esse processo não desencadeia a resposta de fase aguda.
Então, a ativação da resposta de fase aguda indica alguma morte celular não natural logo significa a presença de alguma lesão em alguma parte do corpo.
Do ponto de vista do diagnóstico, seria ideal haver uma substância que, podendo ser dosada no sangue, indicasse que a resposta de fase aguda foi ativada por alguma lesão ou doença em qualquer parte do corpo.

A resposta de fase aguda é uma reação biológica complexa da qual participam diversas células e muitas substâncias químicas. Várias dessas substâncias foram pesquisadas para tentar responder à pergunta: Qual a substância que, através de um exame de sangue, pode indicar a ocorrência de qualquer lesão de células no organismo?
A substância que mostra melhor desempenho na resposta a essa pergunta é a proteína C reativa, mas é preciso estar atento e entender que a ocorrência de lesões de células não indica que uma doença foi responsável por isso. É possível ter elevações de proteína C reativa sem estar doente.
Inicialmente, a proteína C reativa foi pesquisada através de métodos grosseiros, cujos resultados eram negativo ou positivo, e os resultados positivos eram dados em cruzes (+, ++, +++ ou ++++). Tais métodos são considerados obsoletos atualmente e não deveriam mais ser utilizados.
A metodologia evoluiu para a determinação quantitativa da proteína C reativa, ou seja, para exames que medem a quantidade exata da proteína no sangue.
Os exames quantitativos mostram que sempre há proteína C reativa no sangue, portanto um exame pelo método antigo pode ser negativo, mas pelo método moderno sempre terá um valor de proteína C reativa, ou seja, o resultado negativo de um exame não significa resultado igual a zero no outro.
Não é incomum pessoas ficarem angustiadas com essa discrepância entre resultados de exames feitos por métodos diferentes. A mudança de método impede a comparação dos resultados, pois os exames são diferentes, embora tenham o mesmo nome. O pensamento mitológico faz pensar que, por terem o mesmo nome, os exames deveriam ter o mesmo resultado. Mas isso não é verdade.
Os exames quantitativos também mostram que a proteína C reativa aumenta rapidamente na presença de infecção, inflamação e traumatismos com destruição de células e volta ao normal rapidamente após o processo ter sido resolvido. Mas nem sempre o aumento ocorre.
Há exemplos, como o caso do lupus eritematoso sistêmico, em que a presença de notória reação inflamatória e lesão celular em múltiplos locais do corpo é acompanhada de níveis normais de proteína C reativa, o que serve para mostrar que a teoria que explica o significado de um exame não é a verdade absoluta na interpretação do resultado.
Ainda não se sabe porque o organismo falha em aumentar os níveis de proteína C reativa em algumas situações clínicas, mesmo na presença da resposta de fase aguda. Mas, sabendo que isso ocorre, podemos concluir que um resultado normal de proteína C reativa não exclui a ocorrência da resposta de fase aguda nem a presença de lesões celulares em algum local.
Da mesma forma é possível observar aumentos da proteína C reativa na ausência de manifestações que mostrem onde ocorreu a lesão que desencadeou a resposta de fase aguda. Reparando seus órgãos diariamente, o organismo muitas vezes desencadeia a resposta de fase aguda sem que haja alguma doença por trás disso.
Portanto, proteína C reativa aumentada nem sempre significa doença, por isso o conhecimento teórico sobre o comportamento da proteína C reativa em determinadas situações clínicas não deve ser utilizado para dizer que proteína C reativa aumentada significa que as situações clínicas que causam o aumento da proteína estejam presentes na ausência dos sintomas e dos achados de exame físico que as caracterizam.
Por exemplo:
1. Sabemos que artrite é a inflamação de uma articulação.
2. Ao exame físico, a articulação com artrite apresenta dor, inchaço, calor, vermelhidão e dificuldade de movimento.
3. Em pessoas com dor, inchaço, calor, vermelhidão e dificuldade de movimento em uma articulação a proteína C reativa está aumentada.

Esses fatos são científicos e estão perfeitamente relacionados. Nesse exemplo, o aumento da proteína C reativa está de acordo com as manifestações da doença que a pessoa apresenta, portanto o resultado é útil.
As manifestações da doença no exemplo citado mostram que há inflamação, portanto é esperado que a proteína C reativa aumente. Entretanto, isso não significa que proteína C reativa aumentada signifique inflamação ou artrite.
A interpretação do exame é essencial porque muitas pessoas apresentam episódios de elevação de proteína C reativa que podem ser causados por infecções inaparentes, traumatismos menores ou inflamações em locais que nada tenham a ver com a queixa apresentada pelo doente.
Um exemplo dessa situação é a elevação que se segue à inflamação das placas de aterosclerose nas artérias, um evento comum na população, que geralmente não causa sintomas. Se alguém nessa situação estiver apresentando também dor nas articulações por outro motivo, a elevação da proteína C reativa pode ser entendida erradamente como devida ao processo que está causando a dor nas articulações, mas se o exame das articulações for normal, sabemos que a elevação deve ter outra origem.

Mas, para os praticantes da medicina baseada em reumatismo nada disso importa. Para essa gente, proteína C reativa aumentada sempre significa "reumatismo".
O processo que usam para convencer o doente é o seguinte:
1. Uma pessoa se queixa de dor em alguma articulação.
2. A articulação não é examinada ou, se for, não tem inchaço, calor, vermelhidão ou dificuldade de movimento.
3. A proteína C reativa aparece aumentada em um exame que não se sabe porque foi solicitado.
4. Ao ver o resultado do exame, o profissional circula o resultado aumentado, realça a marca com uma flecha apontando para cima e faz a pessoa acreditar que a causa do problema foi identificada.
5. Finalmente, o profissional engana a pessoa dizendo que ela "tem reumatismo" ou tem "reumatismo no sangue" porque sente dor em uma articulação e a proteína C reativa está aumentada.

Proteína C reativa não é causa de doença, é uma proteína normal do corpo.
A elevação da proteína C reativa é parte da resposta de fase aguda, mas diante de um resultado aumentado, concluir que alguma doença está causando o aumento da proteína é consequência da interpretação do quadro clínico do doente e não da aceitação incondicional do resultado do exame.
Para quem tem dor nas articulações, a elevação de proteína C reativa só tem importância quando é acompanhada de alterações nas articulações ou em outro local que justifiquem a alteração do resultado do exame.
Para o reumatologista, a utilidade da proteína C reativa não é diagnosticar artrite. O diagnóstico de artrite é feito pelo exame físico.
Para o reumatologista, a utilidade da proteína C reativa é auxiliar no diagnóstico das doenças inflamatórias e na avaliação da resposta ao tratamento.
Em nenhuma hipótese proteína C reativa aumentada significa "reumatismo".
"Reumatismo" não é um diagnóstico médico, é apenas um mito popular.


A humanidade sempre procurou maneiras artificiais de descobrir a doença e os exames de laboratório servem para isso.
Os maiores sucessos obtidos com a realização de exames laboratoriais para auxílio diagnóstico ocorreram no campo das doenças infecciosas.
Para o diagnóstico de doenças infecciosas, a pesquisa direta do agente causador permite o diagnóstico imediato da doença que ele causa, como acontece na tuberculose, por exemplo.
Mas para diagnosticar tuberculose não é preciso encontrar o agente causador em um exame de laboratório. Para tratar o doente, o diagnóstico baseado nos sintomas e nos achados do exame físico é suficiente.
A maneira mais simples de descobrir uma doença é consultar um médico, contar o que sente e ser examinado por ele. Na maior parte das vezes, após o término do exame, o médico será capaz de dizer qual é a doença e o que deve ser feito a seguir.
A maneira artificial de descobrir uma doença é substituir o trabalho do médico pela realização de um exame de sangue e querer que o resultado do exame diga qual é a doença.
O ideal da medicina mercantilista é eliminar o trabalho do médico e fazer tudo através de exames laboratoriais, de preferência sem que haja contato algum com o doente.
Mas para a verdadeira Medicina, exames de laboratório e de imagem são complementares à consulta e ao exame do doente. Podem ou não ser solicitados e os resultados sempre devem ser interpretados de acordo com o que a pessoa sente e apresenta ao exame físico.
Os grandes médicos do século XVIII e XIX desenvolveram a lógica do raciocínio médico perante a doença e o doente, reconhecendo que a maneira como o doente fala da doença é imprecisa e influenciada pelas emoções, e a maneira como a doença se manifesta no doente é variável de pessoa para pessoa, como também é variável a capacidade dos médicos de encontrar achados importantes ao exame físico.
Nesse cenário confuso, o exame de laboratório é um procedimento que não está sujeito a variações emocionais, por isso o resultado do exame deveria ser mais confiável do que o relato do doente e a habilidade de examinar do médico. Mas não é.
O resultado de um exame de laboratório é influenciado por diversas variáveis e a interpretação depende do conhecimento teórico sobre a doença.

Por isso, o princípio lógico e técnico que rege a interpretação de um exame de laboratório é:
1. Se o resultado do exame não estiver de acordo com os dados da história e do exame físico do doente, o exame deve ser refeito.
2. Se o resultado do novo exame for diferente do anterior e estiver de acordo com os dados da história e do exame físico do doente, esse será o resultado correto.
3. Se o resultado do novo exame ainda não estiver de acordo com a história e o exame físico do doente, a história e o exame físico devem ser refeitos levando em consideração a contradição sugerida pelo exame de laboratório.
4. Se a nova história e o exame físico do doente ainda não estiverem de acordo com o resultado do exame de laboratório, o exame de laboratório deve ser descartado como inútil.

Quando se trata de diagnosticar doenças, o que a humanidade quer é algo simples e até certo ponto mágico, que é representado pelo mito moderno do exame de laboratório:
Alguém fornece uma amostra de sangue, um laboratório examina a amostra e fornece o resultado por escrito, declarando o que a pessoa tem.
Embora no diagnóstico de muitas doenças infecciosas esse processo seja efetivo, no diagnóstico das doenças que causam dor musculo-esquelética não é. Não existe nenhum exame de laboratório cujo resultado, por mais alterado que seja, diagnostique isoladamente qualquer doença.
Isso acontece porque entre o momento da obtenção da amostra para exame e a entrega do resultado por escrito ocorrem diversas manipulações da amostra, sob condições variadas, que podem modificar o valor do resultado. Além disso, o significado do resultado também varia de acordo com as manifestações que o doente apresenta.
Esse cenário de incertezas e variabilidade excessiva não agrada ninguém, por isso a população deseja ardentemente algo semelhante ao que o filósofo da ciência Gaston Bachelard chamou de "a ciência da varinha mágica", expressão que ele aplicava ao desejo popular de solucionar problemas através de movimentos das mãos e palavras mágicas que produzissem resultados imediatos.
Mas a ciência sempre foi e sempre será trabalhosa.
O diagnóstico médico às vezes é penoso, demorado e complicado, pois os exames de laboratório nunca dizem qual é a doença nem se há alguma doença por trás. Quem diz se há alguma doença é o médico, depois de interpretar o resultado dos exames de acordo com as manifestações clínicas do doente.
Por conta dessas dificuldades inerentes ao trabalho científico do médico é mais fácil para a população acreditar que o que está escrito no papel com o resultado do exame é o nome da doença.
Nesse país, onde o mito moderno do exame de laboratório e o mito antigo do "reumatismo" são manipulados por profissionais de índole duvidosa com o objetivo de enganar a população, a crença nos mitos leva as pessoas a acreditar facilmente nas encenações montadas por oportunistas e charlatães.